sexta-feira, 14 de julho de 2017

Aquisição do Canto X Aperfeiçoamento de Canto



Entre a Aprendizagem e a Preparação
                     
Reflexão sobre as diferentes condutas a serem tomadas para cada caso no acompanhamento vocal para voz cantada, a partir da conceituação de aquisição do canto e aperfeiçoamento de canto.

No Trabalho de Instrução no canto é importante ter um senso sobre as habilidades naturais que o individuo deve apresentar para uma determinada aquisição e/ou aperfeiçoamento, principalmente quanto se trata de algo multidimensional em questão, que é a voz, o instrumento do canto. A voz é neurofisiologia, depende mecanicamente de uma adequada coordenação pneumofonoarticulatória, mas também é emoção, cultura, cognição, abstração, processamento e etc.

O rendimento de um acompanhamento vocal está diretamente associado ao que se quer propiciar ao aluno nas sessões de aulas. Seja no trabalho de aquisição do canto voltado para as pessoas que realmente estão começando a cantar e demonstram regulares condições orgânicas, cognitivas e emocionais para tal procedimento, ou no trabalho de Aperfeiçoamento de canto voltado para aqueles que são profissionais, cantando ativamente em eventos,  igrejas e etc, sendo vozes artisticamente amadurecidas, excelentes executores de ornamentos e dinâmica vocais, com performance definida,  mas que apresentam alta demanda de atividade vocal levando muitas vezes a fadiga vocal excessiva, e que utilizam ajustes vocais com hipercinesia e hiperconstrições musculares em demasia, acompanhados ou não de compensações fonatórias para sua atuação vocal cantada.

Com a intenção de ser didático e mais objetivo sobre a reflexão que quero trazer com este texto, vou utilizar como estratégia a apresentação de três situações que requerem condutas diferentes no processo de instrução vocal, mas antes sugiro que possamos refletir sobre a conceituação de processo de aquisição e de aperfeiçoamento, o primeiro sendo mais voltado para a aprendizagem e o segundo mais voltado para a preparação.

Aquisição vem de adquirir, na área da Fonoaudiologia utilizasse esse termo referente ao tempo de aquisição da linguagem oral, que basicamente refere-se ao período em que a criança está adquirindo o quadro fonético e ampliando suas habilidades comunicativas verbais. A aquisição do canto seria o tempo em que a pessoa especificamente está em aprendizagem do canto, genuinamente para as pessoas que não cantam, vendo a possibilidade de cantar como algo definitivamente possível, comprovado pela ciência, com vários exemplos no mundo todo.

Aperfeiçoamento vem de melhorar, aproximar-se mais do perfeito. Aqui pensamos em uma habilidade que já foi adquirida, mas precisa ser melhorada, favorecida, especializada. O aperfeiçoamento seria mais voltado a fornecer ao que canta a ampliação de suas possibilidades e de seu conhecimento para melhor atender as necessidades específicas relacionadas à sua demanda, estética, intenção, discurso e etc.

A aprendizagem e a preparação acontecem tanto na situação de aquisição quanto no aperfeiçoamento, mas pensando em algo mais pontual, poderíamos pensar em aprendizagem mais relacionada à aquisição, uma vez que aqui o indivíduo tem a mínima bagagem possível sobre a habilidade de cantar. Já a preparação dentro de uma ideia mais específica, estaria mais relacionada ao aperfeiçoamento onde o indivíduo tem um conhecimento prévio sobre as suas dificuldades e pretensões, que requerem algo pontualmente direcionado, ou seja, uma preparação específica que leva ao resultado, que é o aperfeiçoamento.

A três situações que serão apresentadas agora, tem o objetivo de ajudar ao leitor conseguir pontuar como seria a conduta mais adequada para atender a cada, levando em consideração se estar mais relacionada a um processo de aquisição do canto (genuinamente aprendizagem) ou mais ao aperfeiçoamento de canto (preparação), ou se nenhuma das duas condutas daria resultado, uma vez que o problema pode ultrapassar as condições naturais que envolvem as dimensões supracitadas no início do texto.


Primeira Situação:

Um indivíduo que não tem uma base antropológica vocal em relação ao canto, não teve nenhuma experiência musical e nem vocal, não teve nenhum contato com a prática do canto de nenhuma forma, chega na aula totalmente desafinado, o instrutor canta uma nota, pede pra emitir simultaneamente e o mesmo não consegui. Canta definitivamente ‘sem pé e nem cabeça’, com uma ressonância totalmente desequilibrada. Porém, ele tem uma boa compreensão, atenção, consegue memorizar e pelo o comportamento do mesmo você percebe que ele estar entendendo e consegue responder sensatamente à comandos simples solicitados.

Será que todos esses pontos relacionados a habilidade do canto defeituosos, realmente impedem esse aluno não desenvolver o canto? Uma vez que o mesmo entende comandos simples, tem discurso adequado aos expor suas ideias, e demonstra regular atenção e memorização?


Segunda Situação: 

O aluno é afinado, bom executor de melismas e ornamentos, um cantor ativo, de performance exemplar, mas tem alta demanda vocal, demonstra fadiga vocal  precoce, faz compensação fonatória em boa parte de sua atividade vocal, utiliza ajustes de  hipercinesias e hiperconstrições musculares demasiadamente.

Será que estamos diante de um caso em que a pessoa precisa de sessões de vocalizes demasiados sem objetivo específico? Ou, se trata de um caso em que precisa-se pontualmente de ferramentas e condutas que atendam as necessidades próprias do estilo musical, da estética e da biomecânica do individuo?


Terceiro Situação:

O aluno chega pra você desafinado, com dificuldade métrica vocal enorme, atropelando a rítmica das notas, e além disso, tem dificuldade de compreensão, de atenção, não consegue memorizar e pelo o comportamento percebesse que sua capacidade de entendimento não é regular. Quando vai expor uma ideia tendo relação ou não com o canto, viaja demais no que expõe e não tem noção de suas dificuldades, acha que faz tudo corretamente.

Será aqui estamos lindando apenas com dificuldades dinâmicas vocais, e falta de experiência prática? Ou, o caso ultrapassa as questões pedagógicas vocais?


Considerações Finais

Na primeira situação lidamos com um aluno que não tem base de canto nenhuma, mas porém, apresenta condições naturais adequadas para o procedimento de instrução vocal, pode-se definir que a conduta aqui estaria mais relacionada a aquisição da habilidade do canto.

Na segunda situação estamos diante de um individuo instruído sobre o canto, pela prática empírica ou musical instrucional do canto, mas porém, não utiliza a biomecânica adequada na sua atividade com a voz cantada, pode-se definir que a conduta aqui estaria mais relacionada ao aperfeiçoamento de canto visando ajustes que favorecesse a maior plasticidade vocal, que envolve tanto a fonte como o filtro, mas dentro de uma estética preestabelecida.

Na terceira situação percebemos que o comportamento não estar adequado independente da questão vocal ou não, estamos diante de um individuo que acha que está fazendo certo, não tem discurso coloquial adequado, com alterações na concentração, atenção, memória e com entendimento limitado. Nesta situação precisamos ter um olhar mais voltado para o comportamento e para as questões emocionais que podem estar associadas, levando a analisar se o acompanhamento vocal dinâmico para voz cantada nesse caso terá resultado, tendo consciência que a conduta ultrapassa as habilidades do pedagogo vocal, tendo necessidade de uma interdisciplinaridade, de uma intervenção em outra área.


Maxwell Silva
Pesquisador vocal e Coach