Entre a Aprendizagem e a
Preparação
Reflexão sobre
as diferentes condutas a serem tomadas para cada caso no acompanhamento vocal
para voz cantada, a partir da conceituação de aquisição do canto e
aperfeiçoamento de canto.
No Trabalho de
Instrução no canto é importante ter um senso sobre as habilidades naturais que
o individuo deve apresentar para uma determinada aquisição e/ou
aperfeiçoamento, principalmente quanto se trata de algo multidimensional em
questão, que é a voz, o instrumento do canto. A voz é neurofisiologia, depende
mecanicamente de uma adequada coordenação pneumofonoarticulatória, mas também é
emoção, cultura, cognição, abstração, processamento e etc.
O rendimento
de um acompanhamento vocal está diretamente associado ao que se quer propiciar
ao aluno nas sessões de aulas. Seja no trabalho de aquisição do canto voltado para
as pessoas que realmente estão começando a cantar e demonstram regulares
condições orgânicas, cognitivas e emocionais para tal procedimento, ou no
trabalho de Aperfeiçoamento de canto voltado para aqueles que são
profissionais, cantando ativamente em eventos, igrejas e etc, sendo vozes artisticamente
amadurecidas, excelentes executores de ornamentos e dinâmica vocais, com
performance definida, mas que apresentam
alta demanda de atividade vocal levando muitas vezes a fadiga vocal excessiva,
e que utilizam ajustes vocais com hipercinesia e hiperconstrições musculares em
demasia, acompanhados ou não de compensações fonatórias para sua atuação vocal
cantada.
Com a intenção
de ser didático e mais objetivo sobre a reflexão que quero trazer com este
texto, vou utilizar como estratégia a apresentação de três situações que requerem
condutas diferentes no processo de instrução vocal, mas antes sugiro que
possamos refletir sobre a conceituação de processo de aquisição e de aperfeiçoamento,
o primeiro sendo mais voltado para a aprendizagem e o segundo mais voltado para
a preparação.
Aquisição vem
de adquirir, na área da Fonoaudiologia utilizasse esse termo referente ao tempo
de aquisição da linguagem oral, que basicamente refere-se ao período em que a
criança está adquirindo o quadro fonético e ampliando suas habilidades
comunicativas verbais. A aquisição do canto seria o tempo em que a pessoa
especificamente está em aprendizagem do canto, genuinamente para as pessoas que
não cantam, vendo a possibilidade de cantar como algo definitivamente possível,
comprovado pela ciência, com vários exemplos no mundo todo.
Aperfeiçoamento
vem de melhorar, aproximar-se mais do perfeito. Aqui pensamos em uma habilidade
que já foi adquirida, mas precisa ser melhorada, favorecida, especializada. O
aperfeiçoamento seria mais voltado a fornecer ao que canta a ampliação de suas possibilidades
e de seu conhecimento para melhor atender as necessidades específicas
relacionadas à sua demanda, estética, intenção, discurso e etc.
A aprendizagem
e a preparação acontecem tanto na situação de aquisição quanto no
aperfeiçoamento, mas pensando em algo mais pontual, poderíamos pensar em
aprendizagem mais relacionada à aquisição, uma vez que aqui o indivíduo tem a
mínima bagagem possível sobre a habilidade de cantar. Já a preparação dentro de
uma ideia mais específica, estaria mais relacionada ao aperfeiçoamento onde o indivíduo
tem um conhecimento prévio sobre as suas dificuldades e pretensões, que requerem
algo pontualmente direcionado, ou seja, uma preparação específica que leva ao
resultado, que é o aperfeiçoamento.
A três
situações que serão apresentadas agora, tem o objetivo de ajudar ao leitor
conseguir pontuar como seria a conduta mais adequada para atender a cada,
levando em consideração se estar mais relacionada a um processo de aquisição do
canto (genuinamente aprendizagem) ou mais ao aperfeiçoamento de canto (preparação),
ou se nenhuma das duas condutas daria resultado, uma vez que o problema pode ultrapassar
as condições naturais que envolvem as dimensões supracitadas no início do
texto.
Primeira Situação:
Um indivíduo que não tem uma base
antropológica vocal em relação ao canto, não teve nenhuma experiência musical e
nem vocal, não teve nenhum contato com a prática do canto de nenhuma forma, chega
na aula totalmente desafinado, o instrutor canta uma nota, pede pra emitir
simultaneamente e o mesmo não consegui. Canta definitivamente ‘sem pé e nem
cabeça’, com uma ressonância totalmente desequilibrada. Porém, ele tem uma boa
compreensão, atenção, consegue memorizar e pelo o comportamento do mesmo você
percebe que ele estar entendendo e consegue responder sensatamente à comandos
simples solicitados.
Será que todos
esses pontos relacionados a habilidade do canto defeituosos, realmente impedem esse
aluno não desenvolver o canto? Uma vez que o mesmo entende comandos simples,
tem discurso adequado aos expor suas ideias, e demonstra regular atenção e
memorização?
Segunda Situação:
O aluno é afinado, bom executor de melismas
e ornamentos, um cantor ativo, de performance exemplar, mas tem alta demanda
vocal, demonstra fadiga vocal precoce, faz
compensação fonatória em boa parte de sua atividade vocal, utiliza ajustes de hipercinesias e hiperconstrições musculares
demasiadamente.
Será que estamos
diante de um caso em que a pessoa precisa de sessões de vocalizes demasiados
sem objetivo específico? Ou, se trata de um caso em que precisa-se pontualmente
de ferramentas e condutas que atendam as necessidades próprias do estilo
musical, da estética e da biomecânica do individuo?
Terceiro Situação:
O aluno chega pra você desafinado, com
dificuldade métrica vocal enorme, atropelando a rítmica das notas, e além disso,
tem dificuldade de compreensão, de atenção, não consegue memorizar e pelo o
comportamento percebesse que sua capacidade de entendimento não é regular. Quando
vai expor uma ideia tendo relação ou não com o canto, viaja demais no que expõe
e não tem noção de suas dificuldades, acha que faz tudo corretamente.
Será aqui
estamos lindando apenas com dificuldades dinâmicas vocais, e falta de
experiência prática? Ou, o caso ultrapassa as questões pedagógicas vocais?
Considerações Finais
Na primeira
situação lidamos com um aluno que não tem base de canto nenhuma, mas porém,
apresenta condições naturais adequadas para o procedimento de instrução vocal,
pode-se definir que a conduta aqui estaria mais relacionada a aquisição da
habilidade do canto.
Na segunda
situação estamos diante de um individuo instruído sobre o canto, pela prática
empírica ou musical instrucional do canto, mas porém, não utiliza a biomecânica
adequada na sua atividade com a voz cantada, pode-se definir que a conduta aqui
estaria mais relacionada ao aperfeiçoamento de canto visando ajustes que
favorecesse a maior plasticidade vocal, que envolve tanto a fonte como o
filtro, mas dentro de uma estética preestabelecida.
Na terceira
situação percebemos que o comportamento não estar adequado independente da
questão vocal ou não, estamos diante de um individuo que acha que está fazendo
certo, não tem discurso coloquial adequado, com alterações na concentração, atenção,
memória e com entendimento limitado. Nesta situação precisamos ter um olhar
mais voltado para o comportamento e para as questões emocionais que podem estar
associadas, levando a analisar se o acompanhamento vocal dinâmico para voz
cantada nesse caso terá resultado, tendo consciência que a conduta ultrapassa
as habilidades do pedagogo vocal, tendo necessidade de uma
interdisciplinaridade, de uma intervenção em outra área.
Maxwell Silva
Pesquisador vocal e
Coach